quarta-feira, 11 de maio de 2011

“ Deficiência de vida! ” por SILVÂNIA SANTOS


                      

 Não havia como imaginar o quanto a vida mudaria quando mais uma menina entrou naquela sala. Uma menina de 14 anos com surdez de 96% em ambos os ouvidos, usando aparelho auditivo , tímida e com os olhos no chão.
Quem perdeu o chão fui eu, educadora social de artes cênicas, achando que a arte se comunicava como mundo! Percebi que o instinto  era a única saída para nos comunicarmos, não tenho curso de Libras ( a linguagem  de sinais) , e nunca imaginei que precisaria de um curso destes, por pura ignorância.  Eu e Tamara nos entendemos no primeiro olhar, mas a comunicação e a apresentação mútua demoraram  alguns minutos para ser compreendida, entendi seu nome numa sensação e pela sonoridade.
Inserida imediatamente na minha turma e na oficina de artes cênicas, quem mais sofreu fui eu.  O que fazer? Quinze adolescentes ditos “normais” e a garota “diferente”! O pior de tudo era a “educadora”  sem experiência e em pânico.
 Ela participou da primeira aula com maestria , sorrisos  e interesse. Aliás, devido ao meu jeito agitado, falante e dançante de ser , percebi que a menina tinha me apelidado de “doidinha”. Ela fazia sinais com as mãos e sorria quando passava por mim , eu retribuía com um medo disfarçado ( sou uma atriz, disfarço bem!)
 Desde então nos comunicamos por instinto. Vejo que preciso de um curso de Libras com máxima urgência , aprendi o significado de algumas palavras através de um livro e “bobinha ( simbolizado com a mão aberta balançando na teta)” foi um outro apelido que ganhei posteriormente.
  A menina  se dá bem com todo mundo , participa com suas poucas e normais limitações , vem se tornando cada dia mais “debochada” , amiga e tenho a impressão de que já esta paquerando um dos amigos da turma de teatro. Quem mais sofre na verdade sou eu, me sinto muda, cega , surda e deficiente em todos os sentidos.
 Como pude viver até hoje sem conviver com alguém tão especial? Aprendo com ela todo dia. Na verdade a turma toda aprende com as nossas dificuldades de conviver num mundo de multiplicidades.
 Percebo a cada dia o quanto sou frágil, fraca e tão bobinha...
 Entender o mundo dela  e de todos os deficientes é necessário, mas o principal é  abrir a mente e as portas porque o maior medo de lidar com estas “pessoas especiais”, não vêm delas e sim da autodefesa dos pobres mortais que se julgam “normais”, como eu e você!

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